28/10/2010

A discreta

Passado o susto, tava na hora de voltar pra casa e descansar. Papo vai, papo vem e minha irmã me diz: 
- Viu só?!
- Oras bolas, não é pra mim que você tem que dizer isso. Eu sempre soube! Aqui é bacana! A comida é boa, o pessoal é simpático! - eu fiquei indignada. Como assim ela tá me dizendo "viu só?!"
- Ô sua tosca! Não é isso! Você não viu a arma na cintura do cara ali no bar?
- Ih! Vi não. Ah, mas o que que tem? Pelo menos tava na cintura. Eu ia ficar preocupada se estivesse apontada pra alguém. 
Essa sou eu, tosca, tentando diminuir a novidade. Ainda fiquei olhando pra trás pra procurar, ah! eu também queria ver! 
Essa mania horrível de ficar encarando. Estrabismos, defeitos, cicatrizes, bizarrices, papai do céu não me deu o dom da discrição, pra isso ele me deu óculos escuros, mas eu não estava usando. Minha irmã só faltou me beliscar pra eu parar de olhar pra trás. Como eu não vi nada mesmo desencanei. 
Em casa tava tudo uma zona e a gente achando que ia descansar... Arruma isso, arruma aquilo, chega um amigo com a furadeira pra prender as coisas na parede. Mas tem que ir comprar bucha. Lá vou eu comprar buchas. Mas dessa vez eu saio de óculos escuros, o mais escuro  e maior que tiver, que é pra ninguém ver pra onde estou olhando. 
Desce escada, sobe ladeira e lá estou eu, há 100 metros do meu prédio...  tinha muito mais que um cara com uma pistola na cintura. 
Eles estavam sentados quase no meio da rua, apertando um baseado como se estivesse no quintal de casa, cada um com seus respectivos fuzis no colo. Ah! dessa vez eu vi. E dessa vez eu estava de óculos escuros. Olhei até não poder mais, com a cabeça virada pra frente e olhos quase doendo de tanto virar. Daí não deu mais pra ver.
Continuei meu caminho até a loja de material de construção, comprei as buchas e na descida eles já estavam fumando, relaxadamente sentados no meio fio. Eu estava do outro lado da rua, a minha curiosidade me matando, queria saber sobre o que conversavam, sobre o que riam, como podiam rir e estar tão relaxados e aparentemente tranquilos segurando fuzis no colo. 
Eu tinha certeza que ninguém tinha me visto, ainda mais com aquela quantidade de motos subindo e descendo, parecem moscas. Então eu ouço um psiu e penso "merda" o cara continua "tu de azul aí" eu penso "merda!! é comigo mesmo" continuo andando como se não fosse e ele grita porque já estou longe demais pra ouvir: "gostosa metida" eu ri e entrei no prédio. 
Fiquei pensando que se estivesse com a minha irmã ela não ia achar tanta graça. Nem ficaria tão curiosa... 

27/10/2010

Mudando

Com o carro cheio de coisa, seguidas por um caminhão de mudança, na Subida do Morro dava pra sentir até o último fio de cabelo os olhares e cochichos. Nessa hora me lembrei do comentário da empregada da minha irmã no dia anterior: "É Dona, lá onde eu moro pobre faz mudança de noite, de preferência na chuva, que é pra ninguém dá conta do que a gente tem". 
Mas no nosso caso era diferente. Preferível que entrássemos de dia, com a janela aberta, dizendo assim: "olá, nós somos as novas moradoras do bairro!"
Pelas ruas estreitas, mais moto subindo e descendo, mais barulho, mais gente na rua, mais gritaria, mais tudo que da primeira vez. Era sábado. 
Não me lembro quantas vezes subimos e descemos as escadas. Mas foram muitas.
Móveis em seus devidos lugares, outro apartamento cheio de caixas, mas dessa vez caixas para abrir. 
Mudança feita e eu e minha irmã fomos dar uma volta. Procurar um lugar pra almoçar, encontrar o supermercado local, enfim dar uma sacada melhor pela rua, nas redondezas. 
Encontramos um supermercado ótimo! É grande, tem tudo, perfeito. Logo em frente ao supermercado encontramos um restaurante. Comemos bem e barato.
Quando fomos pagar, uma moça que estava sentada por perto com o marido estava pagando também: "mas vou pagar só o meu prato. Quem mandou brigar? Ele que pague a conta dele!"
Nós rimos. É isso mesmo, ora bolas! Pegamos nossa sobremesa, e fomos sentar. Dez minutos depois "Filho da Puta!! Foi embora sem pagar!" 
Demos um pulo com o grito! Em um segundo tava todo mundo correndo e gritando. "Pega! Pega! Cadê? Cadê? Filho da mãe!" 
A gente não sabia o que fazer. Ficamos paradas sem saber se era melhor ir embora ou ficar ali mesmo. Foi uma confusão. 
Nosso primeiro susto...

21/10/2010

Tudo Azul

O anúncio no jornal era interessante. "Duplex, 2/4, frente, vistão, pronto pra morar". Pronto pra morar era exatamente o que minha irmã procurava. Fomos ver.
A primeira vista pareceu estranho subir o morro. Será que o apartamento é bom? Será que é perigoso? Será que vale a pena? Será que vizinhança é tranquila? Milhares de perguntas.
Nós não falamos muita coisa, ligamos o rádio do carro e ficamos cantando. Minha irmã e eu somente trocávamos alguns olhares durante o caminho, essa coisa clichê de irmã, sabíamos tudo o que se passava na cabeça uma da outra.
Na Subida do Morro deu um frio na barriga. É moto passando pra tudo o que é lado. Camelôs de todos os tipos. Música alta vindo de vários lugares diferentes. Gente gritando. Criança brincando. Todos convivendo harmoniosamente no caos.
Subindo, subindo, subindo...
Depois de quatro curvas, um "ponto de encontro"e um bocado de "ai meu deus", chegamos ao nosso destino. É claro que o corretor não tinha chegado ainda. Conversamos com o porteiro e entramos no prédio. Tem o hall da portaria, e-tem-u-ma-vis-ta!!!
Desandamos a falar. Tava tudo azul. O céu tava azul, o mar tava azul, as gaiovotas voando pelo oceano, as ilhas, o arpoador... tava tudo ali pronto pra ser nosso.
Pulinhos, palmas de foca, gritinhos. E toda a ansiedade se transformou em euforia. Afinal quem não quer morar de frente pro mar?
Nosso querido corretor chegou depois de eu e minha irmã termos nos feito, finalmente, as tais perguntas e combinações,"ó, vê se não vai dar pulinhos na frente do moço, tá?" Ser irmã mais nova tem dessas, a gente escuta cada coisa.
Bom, o apartamento é ótimo. A vista de fato é incrível. E pronto pra morar!!! Ponto importantíssimo nesse momento da vida.
"Seu corretor, tá tudo muito bem, tá tudo muito bom, mas e os vizinhos?"
"Aqui já morou a Gal Costa, o Jonathan Haagensen também mora aqui, tem um roterista da globo, vários atores..."
Eu tive vontade de chutar o saco dele nessa hora. "Ô seu imbecil, você acha mesmo que é dessa vizinhança que a gente tá querendo saber?" Eu sorri amarelo, olhei pra minha irmã e saí de perto. Na verdade não ouvi o resto que o Seu Corretor falou. Não simpatizo muito com eles.
Depois fiquei sabendo que ele disse que o morro era tranquilo. Quando saímos, fomos perguntar de novo para o Seu Porteiro dessa vez. Foi a mesma coisa. "Muito tranquilo, Dona."
Tá decidido! É pra cá que a gente vai se mudar.
E já que estávamos lá, aproveitamos pra dar uma olhadinha na rua. Realmente parecia tranquila, com cara de bairro. Tem um café muito do simpático em frente ao prédio. Tem as motos subindo e descendo frenéticamente. Vi uns táxis também subindo com passageiro.
Incrível como foi tudo certo. Tivemos a melhor impressão que poderíamos ter tido.
Ninguém mexeu com a gente, ninguém assoviou enquanto passávamos, não teve "psiu" ou "gostosa". Ficamos ali na rua um tempinho, olhando, vibrando.
Tava tudo azul.
Tava decidido.