Passado o susto, tava na hora de voltar pra casa e descansar. Papo vai, papo vem e minha irmã me diz:
- Viu só?!
- Oras bolas, não é pra mim que você tem que dizer isso. Eu sempre soube! Aqui é bacana! A comida é boa, o pessoal é simpático! - eu fiquei indignada. Como assim ela tá me dizendo "viu só?!"
- Ô sua tosca! Não é isso! Você não viu a arma na cintura do cara ali no bar?
- Ih! Vi não. Ah, mas o que que tem? Pelo menos tava na cintura. Eu ia ficar preocupada se estivesse apontada pra alguém.
Essa sou eu, tosca, tentando diminuir a novidade. Ainda fiquei olhando pra trás pra procurar, ah! eu também queria ver!
Essa mania horrível de ficar encarando. Estrabismos, defeitos, cicatrizes, bizarrices, papai do céu não me deu o dom da discrição, pra isso ele me deu óculos escuros, mas eu não estava usando. Minha irmã só faltou me beliscar pra eu parar de olhar pra trás. Como eu não vi nada mesmo desencanei.
Em casa tava tudo uma zona e a gente achando que ia descansar... Arruma isso, arruma aquilo, chega um amigo com a furadeira pra prender as coisas na parede. Mas tem que ir comprar bucha. Lá vou eu comprar buchas. Mas dessa vez eu saio de óculos escuros, o mais escuro e maior que tiver, que é pra ninguém ver pra onde estou olhando.
Desce escada, sobe ladeira e lá estou eu, há 100 metros do meu prédio... tinha muito mais que um cara com uma pistola na cintura.
Eles estavam sentados quase no meio da rua, apertando um baseado como se estivesse no quintal de casa, cada um com seus respectivos fuzis no colo. Ah! dessa vez eu vi. E dessa vez eu estava de óculos escuros. Olhei até não poder mais, com a cabeça virada pra frente e olhos quase doendo de tanto virar. Daí não deu mais pra ver.
Continuei meu caminho até a loja de material de construção, comprei as buchas e na descida eles já estavam fumando, relaxadamente sentados no meio fio. Eu estava do outro lado da rua, a minha curiosidade me matando, queria saber sobre o que conversavam, sobre o que riam, como podiam rir e estar tão relaxados e aparentemente tranquilos segurando fuzis no colo.
Eu tinha certeza que ninguém tinha me visto, ainda mais com aquela quantidade de motos subindo e descendo, parecem moscas. Então eu ouço um psiu e penso "merda" o cara continua "tu de azul aí" eu penso "merda!! é comigo mesmo" continuo andando como se não fosse e ele grita porque já estou longe demais pra ouvir: "gostosa metida" eu ri e entrei no prédio.
Fiquei pensando que se estivesse com a minha irmã ela não ia achar tanta graça. Nem ficaria tão curiosa...